Por Guilherme Freitas
Nascido no dia 2 de dezembro de 1972 na cidade de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, Gustavo passou sua infância em Ituverava, também no interior paulista. Foi lá ainda criança que passou a dar suas primeiras braçadas e construir a carreira de sucesso na piscina.
Ele aprendeu a nadar na Associação Atlética Ituveravense e aos nove anos de idade disputou sua primeira competição de natação. Em 1981 ele representou a Escola Estadual Capitão Antônio Justino Falleiros, de Ituverava,em uma prova amistosa de 50 metros. Chegou em terceiro lugar.
“Perdi o contato com as duas pessoas que terminaram na minha frente, mas aquela foi a minha verdadeira iniciação no esporte”, recordou Gustavo que tem a medalha daquele dia guardada até hoje como recordação.
No início da adolescência começou a mostrar que levava talento para o esporte. Aos 12 anos de idade em 1984, passou a disputar diversos torneios de natação pelo estado de São Paulo. Entre eles estavam competições como Programa Pernambucanas de Natação, Torneio Infanto-Juvenil de Natação/Jovem Pan Kibon e Teto Olímpico no nado de peito.
Em todos esses torneios uma coisa sempre se repetia: medalhas. Gustavo sempre conseguia estar presente nos pódios e começou ali a chamar atenção devido à altura, à técnica de nado e aos tempos cada vez mais baixos sob o comando de Luiz Carlos Soares.
O ano de 1987 marcou sua primeira mudança. Deixou os pais e a pequena Ituverava para trás e foi para São Carlos, onde passou a ser treinado por Maurício Frajacomo, o Piscinão. O próprio Gustavo reconheceu que a troca de cidade lhe fez bem e ajudou no processo de amadurecimento.
Nesta temporada melhorou demais suas marcas registrando 24s88 nos 50m livre e 54s59 nos 100m livre. Foi campeão paulista e conseguiu índice para nadar o Campeonato Brasileiro. Começava a chamar a atenção dos grandes clubes.
Aos 17 anos de idade, em 1989, chegou ao Esporte Clube Pinheiros. Iria morar e treinar na maior cidade do país sob o comando do experiente técnico Alberto Klar. Em pouco tempo tornou-se o principal nadador do Brasil, desbancando Cristiano Michelena que até então era a grande referência das provas de velocidade e meio fundo.
Foram títulos e medalhas em diversos campeonatos estaduais e nacionais nos 50m, 100m e 200m livre. O Brasil já estava pequeno para o atleta e Gustavo precisava ganhar o mundo.
Em 1990 teve uma das primeiras grandes performances da carreira, quando nadou os 100m livre em piscina curta pela primeira vez abaixo dos 49 segundos: 48s59, novo recorde sul-americano. No mesmo ano foi convocado pela primeira vez para a seleção brasileira e todo o planeta passou a saber quem era Gustavo Borges.
No Campeonato Sul-Americano de Rosário, na Argentina, ganhou três medalhas de ouro nos 50m livre e com os revezamentos 4x100m e 4x200m livre. Na Copa Latina, na Cidade do México, ganhou uma medalha de bronze com o time do 4x100m livre.
Neste mesmo ano resolveu mudar mais uma vez, mas agora de país. Ouvindo o conselho de Maria Lenk rumou para o ensolarado estado da Flórida, nos Estados Unidos, onde passou a estudar e nadar pela conceituada Bolles School, uma das mais tradicionais da natação americana.
E Gustavo chegou chegando. Em seu primeiro evento, o High School Swimming Championship, venceu tudo que nadou e ainda bateu o recorde estadual dos 100 livre em piscina de jardas. Alguns dias depois ainda ganharia um bronze nos 100m livre no US Open batendo nada mais, nada menos, do que o então campeão olímpico Matt Biondi.
Era apenas o começo da trajetória internacional de Gustavo. Em 1991 ele disputou dois grandes eventos internacionais. Primeiro o Campeonato Mundial de Esportes Aquáticos de Perth, na Austrália onde bateu o recorde sul-americano dos 50m (23s15) e 100m livre (50s77). E depois nos Jogos Pan-Americanos de Havana, em Cuba, quando ganhou cinco medalhas: ouro nos 100m e com o 4x100m livre, prata nos 200m livre e com o 4x200m e o bronze nos 50m livre. Nos 100m livre, nadou pela primeira vez abaixo dos 50 segundos (49s48), quebrando o recorde da competição e sul-americano, credenciando-se definitivamente a uma medalha olímpica no ano seguinte.
Em Barcelona Gustavo fez sua estreia nos 200m livre, mas o desempenho foi terrível. Nadou muito mal, travado e aumentou seu tempo em mais de dois segundos. No dia seguinte foi melhor e ajudou o revezamento 4x200m livre a chegar à final. Seu próximo desafio seria os 100m livre.
Seria difícil subir ao pódio, afinal estavam na água Alexander Popov, Matt Biodi, Stephan Caron e Gennadiy Prigoda. Entre todos eles, o jovem Gustavo tentando uma medalha. Nadando na raia 5, Gustavo fez uma prova espetacular, nadando de igual para igual e chegou nitidamente entre os três primeiros. Porém, um erro do placar não o apontava como segundo colocado. Após uma revisão foi lhe dado a quarta colocação com 49s53. O nadador ficou decepcionado, frustrado e sumiu. Não quis falar com ninguém.
Após uma reclamação formal da CBDA, Gustavo finalmente foi confirmado como vice-campeão com o tempo de 49s43. Festa para o jovem nadador que motivado, ainda ajudou o revezamento 4x100m livre a chegar à final e terminar em sexto lugar. O objetivo da medalha estava concretizado, mal sabia ele que isso iria se repetir mais três vezes.
Mas até os Jogos de Atlanta ainda haveria um ciclo de quatro anos e muitas competições para nadar. E Gustavo nadou. Nadou muito. Nos Estados Unidos disputou quatro temporadas do NCAA pela Universidade de Michigan conquistando dez medalhas de ouro e sendo tetracampeão nos 100m livre, além de decisivo nos revezamentos onde ganhou o apelido de Mr. Relay.
Em 1993 por três vezes bateu o recorde mundial. Duas vezes com o revezamento 4x100m livre ao lado de Fernando Scherer, Teófilo Ferreira e José Carlos Souza (primeiro para 3min13s97 e depois para 3min12s11) e uma individual nos 100m livre com o tempo de 47s94. Nadou as duas primeiras edições do Campeonato Mundial de piscina curta ganhando três medalhas em Palma de Mallorca e mais quatro no Rio de Janeiro, em uma arena montada e plena praia de Copacabana, no coração da cidade. Ao lado do carismático Fernando Scherer, o Xuxa, era um dos maiores ídolos do esporte nacional e influenciou futuras gerações de campeões nas piscinas.
Ainda conseguiu outros feitos notáveis em piscina longa como as duas medalhas de bronze no Mundial de Esportes Aquáticos em Roma-1994 nos 100m livre atrás apenas de Alexander Popov e Gary Hall Jr e com o 4x100m livre e como mais quatro medalhas nos Jogos Pan-Americanos de Mar del Plata em 1995.
Após o ótimo ciclo olímpico, Gustavo chegou como um dos favoritos à medalha nos Jogos de Atlanta-1996. E foi uma de suas grandes competições da sua carreira.
Sua primeira prova foi os 200m livre onde nadando na raia 1 brigou pela vitória contra o neozelandês Danyon Loader até os metros finais, conquistando a medalha de prata com 1min48s08, novo recorde sul-americano. Dias depois conquistava outra medalha, agora de bronze nos 100m livre atrás apenas de Povov e Hall Jr mais uma vez. E de novo, recorde sul-americano com 49s02. Faltou apenas a medalha com o revezamento 4x100m livre. Ao lado de Xuxa, Alexandre Massura e Andre Cordeiro, terminou na quarta colocação. Seu incrível parcial de 47s99 infelizmente não foi o suficiente para ir ao pódio mais uma vez.
Depois de Atlanta, Gustavo continuou colecionando medalhas e recordes. Na curtavieram mais duas medalhas no Mundial de Gotemburgo-1997 e um novo recorde mundial com o revezamento 4x100m livre em 1998 ao lado de Xuxa, Massura e do jovem Carlos Jayme com 3min10s45.
Nos Jogos Pan-Americanos de Winnipeg ganhou mais cinco medalhas e tornou-se o maior medalhista brasileiro da história do evento entre todas as modalidades, marca que iria ampliar na edição de Santo Domingo em 2003 quando faturou suas últimas três medalhas. Gustavo chegou o número de 17 ao todo um feito que só seria superado 12 anos depois por outro nadador: Thiago Pereira.
Classificado para os Jogos Olímpicos de Sydney-2000, Gustavo começa a ver que a natação brasileira iniciava uma transição. Novos nomes iam surgindo e seus contemporâneos deixando a modalidade. Mas Gustavo seguia na seleção e mais uma vez tentaria uma medalha com o revezamento 4x100m livre. Dessa vez ele dividia a liderança com Xuxa, e tinha como parceiro os jovens Carlos Jayme e Edvaldo Valério.
Na piscina fizeram uma final inesquecível, com Xuxa nadando no sacrifício com uma lesão no pé, Gustavo fazendo das suas e tirando da cartola uma parcial de 48s61, Jayme nadando de igual para igual com os melhores velocistas do mundo e Valério, o Bala, fechando como um foguete para conquistarem a medalha de bronze com 3min17s40. Uma prova emocionante que ficou eternizada na memória de todos que assistiram aquela performance.
Depois da quarta medalha olímpica em Sydney, Gustavo começou a entrar na fase final da carreira. Os resultados já não eram mais os mesmos e novos atletas estavam surgindo no cenário nacional. Mesmo assim ainda conseguiu mais uma vez ir ao pódio em um Mundial de curta com uma prata nos 200m livre em Moscou-2002. Porém, Gustavo já começava a pensar na vida fora das piscinas.
Decidiu que sua despedida seria nos Jogos Olímpicos de Atenas com o revezamento 4x100m livre. Seria a apresentação final no evento onde ele mais brilhou. Uma despedida tímida, mas marcante para o até hoje maior medalhista olímpico da natação brasileira. E como não podia ser diferente, melhor parcial no revezamento que acabou fora da final. Ao fim dos Jogos uma justa homenagem: porta-bandeira do Brasil na Cerimônia de Encerramento.
Meses depois ele ainda ganharia uma despedida e festa na piscina do Pinheiros ao lado de grandes amigos e dos jovens talentos que surgiam como Cesar Cielo e Thiago Pereira. Chegava ao fim a carreira do nadador Gustavo Borges e começava a carreira do empresário Gustavo Borges.
Criou uma metodologia que leva seu nome presente em diversos clubes e academias do Brasil, além de ter sua própria academia com três unidades no estado de São Paulo e no Paraná. Tornou-se um requisitado palestrante, levando para milhares de pessoas suas memórias e vivências no esporte e também foi comentarista da TV Globo nos Jogos Olímpicos de Pequim-2008, Londres-2012 e Rio-2016. Inclusive, protagonizou uma cena marcante quando na final olímpica dos 50m livre em Pequim, abandonou Galvão Bueno e a cabine de transmissão para correr até a piscina indo abraçar Cesar Cielo, que tornava-se ali o primeiro campeão olímpico da natação brasileira.
Gustavo ainda recebeu uma das maiores glórias da natação ao ser eternizado em 2012 no Hall da Fama da Natação Internacional. Até hoje apenas ele e Maria Lenk foram os brasileiros dignos dessa honraria. E hoje continua presente nas bordas das piscinas acompanhando seu filho Luiz Gustavo Borges, que também teve uma carreira universitária em Michigan e já chegou a seleção brasileira.
Por essa riquíssima história, quatro medalhas em Jogos Olímpicos, quatro recordes mundiais, 12 medalhas em Campeonatos Mundiais, 19 medalhas em Jogos Pan-Americanos, infinitos momentos marcantes e um incrível legado ao esporte brasileiro reconhecemos Gustavo França Borges no Hall da Fama da Natação Brasileira.
Fotos da cerimônia oficial de reconhecimento de Gustavo França Borges no Hall da Fama da Natação Brasileira (fotos de Ricardo Sodré):
Referências Bibliográficas:
Site oficial Gustavo Borges: https://gustavoborges.com.br/historia/
Perfil na Swim Channel: https://swimchannel.net/gustavo-borges/
Livro 80 anos de história da natação brasileira, de Renato Cordani, editora Reler, 2020.
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