Abílio Couto

Texto e imagens: Daniel Couto e acervo pessoal

Abílio Alvaro da Costa Couto, conhecido como Abílio Couto, foi um pioneiro na Maratona Aquática no Brasil. Nasceu em Ribeirão Preto em 24/12/1924. Começou a nadar aos 7 anos da piscina da Sociedade Recreativa e de Esportes de Ribeirão.

Criado eu uma família de educação rígida, seus pais Álvaro e Ophelia o mandaram para um internato na cidade na cidade de Batatais, devido ao fato do filho fingir que ia a escola para ir nadar!

Couto começou a competir em piscinas, iniciando no ano de 1937. Em 1940 na sua primeira prova como federado na FPN pelo clube E.C. Mogiana, bateu o recorde paulista da categoria nos 100 mts livre. De 1942 a a 1946 nadando pela Sociedade Recreativa e de Esportes, foi campeão paulista nos campeonatos de novos e de juniors nos 400 mts, neste período obteve também 3 medalhas de ouro nos Jogos Abertos do Interior nadando provas de 100mts e 400mts.

Em 1943 obteve o recorde brasileiro na prova dos 800 metros, no torneio da FPN chamado Capital versus interior, na piscina do DEFE em São Paulo. Começou a aventurar-se nas provas em águas abertas, como era conhecida na época, nas tradicionais provas: Travessia de São Paulo a nado, Travessia de Piracicaba a nado, Travessia de Ribeirão Preto a nado, Travessia da Penha a nado, Travessia de Guarujá a São Vicente e Travessia do Canal de Santos. Em 1946 mudou-se para São Paulo por motivo de estudos e a partir de 1955 começou a nadar pelo C.R. Tietê.

Em 1957 Couto aventurou-se como o primeiro brasileiro a fazer travessias na Europa, nadando nas provas Capri- Naples, Marathon Over-sur-Oise, Rari de Nantes, Brighton Pier-to-Pier, Windermere swim e Dover-to-deal, nos países da Italia, Franca e Inglaterra.

Aí que Abílio Couto foi então seduzido pelo desafio que até hoje fascina os nadadores de maratonas aquáticas de todo o mundo: a travessia do Canal da Mancha, entre a Inglaterra e França (o sentido da travessia pode variar). Possui 33 km em linha reta, que fazem o nadador percorrer uma distância maior devido a mudança de marés e o tráfego de navios.

Suas primeiras tentativas foram em 1957, tentou por 4 vezes, precisou desistir devido a uma hipotermia, dias após tentou novamente quando a travessia foi interrompida pois o barco se perdeu, e por duas vezes a travessia foi interrompida por mau tempo. Voltando ao Brasil, trouxe as malas cheias de mapas, livros e publicações diversas sobre o Canal. Aquele pedaço de mar virou seu grande objetivo.

Em 1958 vendeu seu carro, móveis e partiu para a Europa.

No dia 10 de Agosto de 1958, um domingo, Abílio e seu técnico, o argentino Miguel Maciel receberam um telefonema da Channel Swimming Association dizendo que a travessia seria naquela madrugada. A equipe se encontrou a meia-noite na Eastern Docks e sairam de Dover na embarcação Victor do Cap. Hutchinson e foram rumo a França, para iniciar a travessia em Cap Gris Nez. As 2:30 da madrugada já estavam em solo francês quando os barcos de apoio chegaram.

Acertados os últimos detalhes, verificada a velocidade do vento e a temperatura da água, que estava 16°C ou 61°F , Couto jogou-se ao mar as 03:40h e chegou em Saint Margareth´s Bay em Dover, Inglaterra, com o tempo de 12h45 min.

Com esta travessia, como consta nos registros da Channel Swimming Association (CSA), Abílio se tornou o primeiro brasileiro e sulamericano a completar oficialmente a travessia. Naquele ano, Couto também foi o primeiro nadador do mundo a conseguir fazer a travessia, aliado ao fato de ser de um país tropical e ter vencido as gélidas águas do Canal da Mancha, se tornou noticia em todo o mundo.

No ano de 1959 voltou a Europa, treinou na Itália para ambientar-se, com o nadador argentino Alfredo Camarero e seu técnico Miguel Maciel. Em Setembro,Couto voltou ao Canal da Mancha para definitivamente entrar na história da travessia. Em 11 de setembro de 1959 nadou no sentido inverso, Inglaterra para França (Hard way). Este trajeto é considerado o mais difícil entre os nadadores.

Na época Couto explicou ao jornal: “pois várias faixas de maré se intercalam, demora sete horas e meia para encher a primeira e a segunda cinco para esvaziar. Após isso tudo começa de novo. Essas águas que vão e vem num movimento de fluxo e refluxo correm a uma velocidade de um e meio a cinco nós por hora”.

A travessia iniciou-se em Shakespeare Beach as 07:20h. Couto naquele dia venceu e bateu o recorde mundial da travessia da França para a Inglaterra com 12h49 min. O recorde anterior era do maior nadador britânico, Gerald Forsberg, que foi o primeiro a enviar um telegrama felicitando o brasileiro. O brasileiro foi o primeiro nadador do hemisfério sul a completar a travessia no sentido Inglaterra-França.

Outro fato incrível estava para acontecer, apenas 14 dias após o recorde mundial, o brasileiro nadou a travessia do Canal da Mancha no sentido França-Inglaterra, saindo de Cap Gris Nez com a temperatura da água a 14°. “É uma noite fria, porém o nadador segue sem reclamar, fazendo 46 braçadas por minuto”, anotou o relatório oficial da travessia.

Às 12:20h, chegou em South Foreland Lighthouse (Dover) e as 12:23h o nadador sobe as paredes de rochas do mar para finalizar a travessia, fazendo o tempo de 11h33min, o melhor tempo do ano. Durante a prova o nadador teve uma tendinite no braço direito, o que comprometeu sua performance, Couto precisou nadar com a mão aberta, não puxando o tanto de água que deveria. Ao final desta terceira travessia a Channel Swimming Association emitiu os seguintes dizeres no relatório da prova: “Couto é um dos melhores, senão o melhor do mundo para esta travessia”.

Em 1959 além do recorde mundial, Couto estabeleceu o menor intervalo de tempo entre duas travessias no Canal da Mancha e também foi o primeiro nadador do mundo a ter o melhor tempo do ano simultaneamente nos dois sentidos do Canal da Mancha.

Participações de Couto no Canal da Mancha:

• 1958: França para Inglaterra 12h 45 min – na época, 3° melhor tempo do ano e 6° melhor tempo da história.
• 1959: Inglaterra para França 12h 49 min – Recorde Mundial de 1959 a 1960, recorde panamericano de 1959 a 1964, recorde sul-americano de 1959 a 1979.
• 1959:França para Inglaterra 11h 33min – na época, melhor tempo do ano, 3° melhor tempo da história, recorde panamericano de 1959 até 1969, recorde sul americano de 1959 até 1997

Com a experiência adquirida no exterior, Abílio Couto voltou ao Brasil e trabalhou com afinco para desenvolver as maratonas aquáticas em nosso país. Foi visionário ao incentivar o esporte que, só viria a ser olímpico mais de 40 anos depois. Primeiro Couto criou a diretoria de águas abertas na extinta Federação de Natação Paulista, hoje Federação Aquática Paulista. Criou o código brasileiro de águas abertas e o conselho técnico de natação em Águas Abertas. Foi o primeiro diretor do departamento de águas abertas da Confederação Brasileira de Natação, hoje Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA).

Criou a tradicional prova de águas abertas/maratona aquática no Brasil, Ilhabela-Caraguatatuba, o campeonato paulista e o primeiro campeonato brasileiro. Organizou a tradicional Travessia do Rio Guaiba, nos anos 60. Durante 30 anos organizou e realizou provas eliminatórias para captação de atletas e com o objetivo de classificar nadadores brasileiros para provas internacionais. Com isso, a imprensa esportiva nacional concedeu a Abilio Couto o titulo de “Pai” das Águas Abertas no Brasil.

Ainda em 1959, criou no Brasil uma prova de resistência de resistência conhecida no exterior como “Outstanding long distance record” e estabeleceu o recorde nacional ao nadar no Rio Jacuí, entre Triunfo a Porto Alegre, por 16h 01 min e cobrir a distância de 60 km.

Abílio pelas próximas 2 décadas seria o único nadador representando o Brasil em provas internacionais, sempre competindo como amador, por determinação da extinta CBD. Algumas vezes Couto vencia as provas internacionais mas precisava recusar a premiação em dinheiro, sob condição de se manter como amador. Esse gesto inclusive fez o brasileiro ser condecorado com o titulo na Europa de “Barão de Sorano”, aonde no seu brasão diz “manteve a virtude de seus antepassados”. Ganhou medalhas de honra na Espanha e Suécia.

Em 4 de Agosto de 1963 Abilio Couto a mídia nacional cobriu um feito inédito de Abílio. Couto tornou-se o primeiro nadador a fazer a travessia do lago de Brasilia, em um percurso de 25 km com o tempo de 7 hrs e 17 minutos. Saiu de baixo da ponte do Torto e chegou na Península dos Ministros ( mansão dos ministros na época). Com a travessia, Abílio queria estabelecer no local um modelo para futuras provas da modalidade no Brasil. No ano de 2001 o lago recebeu uma etapa do Circuito Mundial de Maratona Aquática da FINA. Ao longo dos anos o lago tem sido uma dos locais mais populares para provas de águas abertas no Brasil.

No ano de 1965 Abilio Couto, com 40 anos de idade, foi para a Espanha para atravessar a nado o Estreito de Gibraltar, entre a Europa e África. O projeto inicial era fazer a travessia de Tarifa até Malabatana, na baia de Tanger, em um percurso de 14 km. O mau tempo fez com que a travessia fosse adiada por vários dias. Em 8 de Outubro de 1965 iniciou a travessia saindo de Tarifa, Espanha. Após 8 km nadados o vento da região conhecido como “levante” provocou o engrossamento do mar e a correnteza o desviou de sua meta, fazendo que nadasse aproximadamente 25 km indo parar perto de Ceuta.

As 14:57h bateu a mão em Punta Bergantín, Marrocos. O jornal Marca registrou que o brasileiro não comeu durante a prova, fez somente 4 pausas para “beber um gole de chá e outras bebidas refrescantes”. O objetivo era fazer a travessia em 2h45min, porém completou Gibraltar com 5h52min. No meio da travessia uma onda arrancou seus óculos, tendo que fazer uma pausa (dentro da água) para colocar outro.

O Jornal Marca de Madrid destacou que Couto teve que se defender de um ataque de pássaros e nadou junto com golfinhos durante uma parte da travessia. Uma foto que foi publicada no jornal mostrava a cena descrita.

Segundo registros da Associacion de Cruce a Nado Estrecho de Gilbraltar (ACNEG), Couto foi na época o nadador mais velho a conseguir realizar a travessia, com 41 anos, além de ser o primeiro brasileiro. Seu tempo foi recorde sul-americano de 1965 a 1969 (4 anos) e recorde brasileiro de 1965 a 2002 (37 anos). No final, devido ao mau tempo, Couto nadou 25 km dos 14 previstos.

Em 1966 recebeu a maior honra do esporte brasileiro, a Cruz do Mérito Esportivo concedida pelo então presidente da República Castelo Branco.

Em 1975, com 51 anos de idade, Abílio Couto representou o Brasil pela última vez na 6° Maratona do Rio Nilo, no Egito, organizada pela International Long Distance Swimming Federation, aonde o brasileiro completou os 50 kilômetros em 10h46min e foi o terceiro colocado geral, 19 segundos atrás do primeiro lugar.

Segundo o Jornal La Marca, da Espanha, é estimado que Abilio Couto nadou mais de 40.000 km em sua carreira. Abilio Couto representando o Brasil venceu por 8 vezes provas internacionais da extinta International Long Distance Swimming Federation, fundada em Paris (França) e que durante sua existência teve sede no Cairo (Egito).

Em 1998 a família criou o seu website, para manter viva a história do nadador (www.abiliocouto.com) e em 2001, o brasileiro foi imortalizado no International Marathon Swimming Hall of Fame, nos Estados Unidos.