Texto: Renato Cordani

Nascido aos 3 de abril de 1962, Jorge Luiz Leite Fernandes aprendeu a nadar no Tijuca Tenis Clube, sempre acompanhado da mãe, pois a princípio tinha medo de água. A evolução foi rápida, e em 1974 no primeiro ano da categoria infantil ele foi vice-campeão carioca no nado borboleta. Uma contusão no ombro o forçou a trocar de estilo para o nado livre, para sorte da natação brasileira.

Em março de 1975, portanto com 12 anos, Jorge foi convocado pela primeira vez para a seleção brasileira, o Sulamericano Infantil no Chile, onde foi campeão continental pela primeira vez. Em 1977, repetiu a convocação e foi representar o Brasil no Peru, obtendo quatro medalhas de ouro.

Em 1978, além do Sulamericano Absoluto no Equador, Jorge participou de seu primeiro Mundial Absoluto em Berlim com apenas 16 anos. A evolução era grandiosa, e o primeiro recorde sulamericano principal viria um ano depois, na Copa Latina de 1979 realizada no Parque Aquático Julio de Lamare. O recorde brasileiro e sulamericano (53”35) de 100 Livre de Ruy Tadeu Aquino Oliveira já durava mais de sete anos, até que Jorge abriu o revezamento 4×100 do Brasil e obteve a muito festejada marca de 53”22.

Ainda em 1979 conquistou no Pan de Porto Rico a medalha de prata no 4×200 Livre, com a equipe formada por Jorge, Djan Madruga, Marcus Mattioli e Cyro Delgado, e ganhando do Canadá, fato esse que jamais havia acontecido. O tempo obtido nesse Pan, de 7:38.92 foi muito bom, e teria dado o quinto lugar nas últimas olimpíadas de Montreal 1976.

Pan 1979. Capa da Revista Nado Livre, ao lado de Ricardo Prado.

Pan 1979. Capa da Revista Nado Livre, ao lado de Ricardo Prado.

Essa vitória sobre o Canadá e o bom tempo obtido deu confiança à equipe e plantou a semente do bronze olímpico que viria no ano seguinte. Em virtude do ineditismo, muita gente pensa que esse bronze teria caído do céu por uma espécie de sorte, tendo sido apenas uma grata surpresa, mas na verdade o que ocorreu foi precisamente o contrário, essa medalha foi meticulosamente planejada desde a prata do Pan. De olho no metal e liderados pelo já membro do HFNB, Djan Garrido Madruga, o quarteto fez treinamento intenso e específico para essa prova, incluindo uma temporada de quatro meses de treinamentos nos Estados Unidos (Mattioli em Indiana e os outros três em Mission Viejo). O cardápio de treinamentos incluía, além de treinos muito mais extenuantes do que os realizados no Brasil na época, exercícios físicos e psicológicos de mentalização, na qual os nadadores do revezamento exercitavam a visualização do dia da prova. Curiosidade: em Mission Viejo, ao contrário de Cyro, que treinou com os velocistas, Jorge optou por treinar entre os fundistas, para “ganhar mais base”.

Equipe treinando em Mission Viejo para as Olimpíadas de Moscou. Jorge é o quarto em pé da esquerda para a direita. Na foto ainda é possível ver Ricardo Prado no extremo inferior esquerdo, e Djan Madruga o sétimo da fileira do meio. Foto de David Barnes.

Equipe treinando em Mission Viejo para as Olimpíadas de Moscou. Jorge é o quarto em pé da direita para a esquerda. Na foto ainda é possível ver Ricardo Prado no extremo inferior esquerdo, e Djan Madruga o sétimo da fileira do meio. Foto de David Barnes.

Nos Jogos Olímpicos de Moscou (1980) o revezamento 4×200 Livre foi no quarto dia, e o pessoal não tinha conseguido bons resultados até então. No primeiro dia, Rômulo Arantes Jr bobeou na semifinal dos 100m Costas e foi eliminado, e no dia seguinte foi a vez de Djan ter problemas nos 1500m Livre, sendo também eliminado. Eram as duas maiores esperanças do Brasil, e viraram pó em apenas dois dias. O clima na seleção brasileira não era dos melhores. Os tempos da prova de 200m Livre do segundo dia (21/06) tinham sido razoáveis, mas Jorge (1:54.32), Marcus (1:54.39) e Cyro (1:54.59) tinham que melhorar muito e contar com a recuperação de Djan para continuar sonhando com a medalha.

Moscou, 23 de junho de 1980. Mesmo hoje tantos anos depois é difícil imaginar como foi possível tanta melhora entre o dia 21 e o dia 23. Fato é que a mentalização continuou sendo efetuada no quarto do Djan, de forma que os nadadores entraram totalmente focados na piscina do Olympiysky Sports Complex em Moscou para a apresentação da final dos 4×200. Nas palavras de Jorge Fernandes: “o Djan tinha feito a gente mentalizar tanto aquele momento que até parecia um déjà vu. Foi como uma mágica, e tudo ocorreu exatamente como a gente havia planejado, desde a largada até a medalha no final. Até o pódium a gente tinha mentalizado!”.

De fato, a final foi um momento especial onde os quatro nadadores do revezamento conseguiram extrair até a última gota, realizando brilhantemente tudo aquilo que haviam mentalizado. Jorge abriu com 1:52.61 (1.69s melhor do que seu próprio tempo de dois dias antes), Mattioli tirou 1.45s do tempo da prova e fez 1:52.94, Cyro melhorou 2.24s e obteve 1:52.35, e Djan fez a prova da sua vida, fechando o revezamento com 1:51.40.

Fizesse esse tempo na prova olímpica de 200 Livre apenas dois dias antes, e Jorge teria ficado em sexto lugar. É sintomático do nível atingido naquele dia o fato de que o tempo final do revezamento foi melhor do que quatro vezes o recorde sulamericano vigente de 200L do Djan (1:52.34), uma performance realmente extraordinária. O Brasil acabou em terceiro com 7:29.30, atrás da USSR (7:23.50) e da Alemanha Oriental (7:28.60).

As fotos abaixo são referentes a essa conquista.

A partir de 1980, Jorge recuperou o recorde dos 100 Livre que era do Djan (52.79) desde agosto de 1979, e o melhorou várias vezes.

52.56 (fev/1980, Rio)
52.51 (jul/1980, Moscou)
52.33 (fev/1981, Rio)
52.06 (jul/1981, Bucareste)

Em fevereiro de 1982, durante o Troféu Brasil realizado no Ibirapuera, Jorge Fernandes atingiu o seu próprio auge físico e técnico obtendo os recordes brasileiros e sulamericanos dos 100L (51.21) e 200L (1:51.33). Esses recordes brasileiros absolutos durariam até 1990, quando foram batidos por Cristiano Michelena (200L , veja aqui) e Emmanuel Nascimento (100L), e nesse período Jorge continuou representando o Brasil em todas as competições pelo Mundo afora, sequência que duraria até dezembro de 1990, quando ele aposentou a sunga de papel. Ou seja, durante uma década inteira, Jorge era sempre apresentado como o recordista brasileiro absoluto em vigência, dando maior importância à todas as provas que participou.

Acompanhe abaixo a chegada dos 200L desse lendário TB de fevereiro de 1982 em que Jorge Fernandes fez um tempo que o colocaria em terceiro lugar do Ranking Mundial do ano anterior e teria lhe dado a medalha de bronze individual em Moscou.

Não que Jorge tenha vencido todas as provas de livre no Brasil durante todo esse longo período: as disputas com Cyro Delgado, Djan Madruga, Ronald Menezes, Julio Rebollal, Luiz Osorio Anchieta e Cristiano Michelena (dentre outros) foram épicas, ele perdeu algumas e ganhou outras tantas (em 200L ganhou quase todas), mas pode-se dizer que foi – de longe – o nadador mais presente em seleções brasileiras entre 1975 e 1989, incluindo três olimpíadas (1980, 1984 e 1988), três mundiais (1978, 1982, 1986), três Panamericanos (1979, 1983 e 1987), três Universíades (1981, 1983 e 1987), seis Copas Latinas e oito Sulamericanos.

Ganhando os 400L no TB de 1984.

Ganhando os 400L no TB de 1984.

Além do bronze olímpico foram seis medalhas de Pan (lembrando que em 1979 e 1983 os EUA nadaram o PAN com equipe principal) e cinco medalhas de Universíades. Destaque brasileiro nas Copas Latinas, Jorge ganhou quatro ouros individuais nos 200 Livre, além de mais de uma dezena de medalhas em outras provas. Veja a seguir uma retrospectiva fotográfica de algumas das seleções brasileiras no período.

Especialista em 100 e 200 Livre, Jorge era invariavelmente escalado para fechar revezamentos, tanto do Flamengo quanto do Brasil, protagonizando um show à parte nesse quesito. No front político, Jorge Fernandes empregou toda sua autoridade de craque onipresente integrando a primeira turma de nadadores da União Nacional dos Nadadores (UNN), entidade que ajudou na redemocratização do país e fez história, influindo de verdade pela primeira vez nos rumos de uma Confederação.

UNN 1985. Todo o peso político do medalhista olímpico na política em tempos de redemocratização do país. Na foto, Jorge está atrás à direita, de bigode.

UNN 1985. Todo o peso político do medalhista olímpico na política em tempos de redemocratização do país. Na foto, Jorge está atrás à direita, de bigode.

A presença desse grande nadador medalhista olímpico e recordista sulamericano em todas as competições no Brasil e no exterior pela seleção brasileira durante tantos anos difíceis para o esporte foram sem dúvida fator de fortalecimento da nossa natação contribuindo – e muito – com as novas gerações.

Despedida em dezembro de 1990, às lágrimas, ao lado de Cristiano Michelena.

Despedida em dezembro de 1990, às lágrimas, ao lado de Cristiano Michelena.

Pela atuação política, pela presença marcante e incentivadora, pela liderança positiva, pelas seis medalhas de Panamericano, e, acima de tudo, pelo papel decisivo que teve na medalha de bronze olímpica, Jorge Fernandes é o sexto nome ora eternizado no Hall da Fama da Natação Brasileira.

Certificado - Jorge Fernandes